24 abril, 2007

O gigante maligno

Quando olhava pra mãe, só enxergava aquele pêlo. Bem no meio do queixo, preto, comprido, assim, com quase 1 cm de comprimento. A menina cresceu olhando para aquela coisa preta no queixo branco da mãe. Nunca teve coragem de perguntar, nem sequer tocava nesse assunto, tinha medo... E se descobrisse que a mãe gostava mais do pêlo do que dela? E se a simples referência a ele revelasse algo terrível? E se ele fosse o início de uma história "cabeluda"? E se a mãe já tivesse sido uma bruxa? E se ele se multiplicasse e a mãe, transformada em mulher barbada, fosse obrigada a ir embora com o circo? A verdade é que a incomodava. Seu olhar ia diretamente pra ele. Não houve uma só conversa "olho no olho" com a mãe, que não se tornasse "olho no queixo".

Um dia, a mãe estava cochilando num sofá. Era domingo, Faustão na TV, calor, almoço farto. Aquela poderia ser sua única chance de salvar a pobre mãe de seu "destino circense". Aproximou-se, então, sorrateiramente, e olhou intensamente para o dito cujo. Não era um adorno de uma daquelas pintas que só as bruxas de verdade têm, mas um único e solitário pêlo preto e pontudo reluzindo ali, bem no meio do queixo da mãe querida. Não teve dúvidas: foi ao banheiro, subiu no vaso sanitário - tinha, então, 6 anos e ainda não alcançava o armário - pegou a pinça de sobrancelha e se aproximou lenta e silenciosamente da mulher de pouco mais de 30 anos que dormia seu sono profundo. Num movimento rápido e preciso, posicionou a pinça, certificou-se de que seu golpe seria certeiro, comprimiu os dois lados do instrumento e, fechando-o ao redor do intruso, puxou-o, com uma única e precisa arrancada.

- AI!!! O QUE É QUE VOCÊ TÁ FAZENDO, MENINA?

- Eu... nada, mãe... quer dizer... eu tirei aquele pêlo que tinha no seu queixo... respondeu a menininha assustada, mas orgulhosa de seu feito heróico.

- Pêlo? Que pêlo?

- Esse, olha só! - e mostrou o inimigo que jazia mortalmente derrotado na pinça de sobrancelha.

A mãe pegou a pinça e contemplou, de olhos arregalados o pêlo gigantesco. Depois foi ao espelho, olhou, olhou, passou a mão pelo queixo e tornou a olhar. Ficou assim durante muito, muito tempo, pensativa, sem dizer absolutamente nada para a garotinha que, ainda assustada, esperava uma bronca "daquelas" a qualquer minuto.

No dia seguinte, a mulher foi ao oftalmologista e assumiu o alto grau de hipermetropia que a impediu, durante tanto tempo, de enxergar o intruso. Quando voltou pra casa, usava óculos.

O pêlo, devidamente controlado a partir de então, nunca mais apareceu e a garotinha, até hoje, se vangloria de sua vitória sobre o gigante maligno que queria levar sua mãe pra trabalhar no circo.

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