
Quatro palavras apenas. Três tiros secos no peito.
Um ano antes, Cléo conheceu Bia. As duas se apaixonaram avassaladoramente. Cléo saiu de casa, Bia largou a antiga namorada e as duas, em pouco tempo, estavam casadíssimas, como requer, numa relação entre duas mulheres.
No começo, o beijo era ótimo, a transa melhor ainda, a convivência linda. Os olhos, vivos, brilhavam. O amor era puro vermelho. Bia era quente, alegre, impulsiva e nervosa. É... nervosa. Parecia que seu tempo era curto demais e que ela precisava viver a vida toda de uma só vez, então fazia as coisas sem pensar muito nas conseqüências. Cléo já era mais calma, tranqüila, sem pressa pra viver tudo o que tinha pra viver. Apesar de diferente, gostava daquele amor assim... meio "lagartixa". Seu coração batia forte, seus sentidos aguçados... Estava apaixonada, enfim.
Bia tinha um pote cheio de ciúmes. Muitos deles. Ciúmes para todos os momentos. Ciúmes dos amigos, das amigas, de mulheres desconhecidas, de garçons, de atrizes, de cantoras famosas, dos pais, dos bichos, do celular, da TV, dos livros... Bia tinha ciúmes do sorriso da namorada, dos olhares, das palavras, do jeito como ajeitava o cabelo, da calma com que colocava os óculos no lugar. Cléo gostava de saber que alguém podia sentir tudo isso por ela. Achava que aquele ciúme todo era o mesmo que um amor muito grande.
Um dia, alguém olhou para Cléo por mais tempo do que Bia achava normal. Fez um escândalo no restaurante, mas depois caiu em si e pediu perdão, chorou, disse que aquilo nunca mais ia acontecer. Cléo acreditou, e tudo continuou como era. Outra vez, foi na fila do cinema. Os gritos, a birra. Logo depois, o “por favor, me perdoa” e tudo continuou a ser. Com o tempo, Cléo acabou se acostumando com aquele jeito impulsivo da namorada e relevava.
Já estavam juntas há uns seis meses, quando Cléo conheceu um casal de amigos de Bia. O rapaz era bem bonito, simpático, inteligente. Bia, dessa vez, achou que era Cléo quem olhava demais pro moço e quis ir embora mais cedo. No caminho de casa, o bate-boca, os gritos. Nesse dia, Bia perdeu a cabeça e virou-lhe a mão bem no meio do rosto. Chorou, quando viu a marca vermelha na face assustada da namorada, “por favor, me perdoa”. Cléo relevou mais uma vez. Amava mesmo aquela mulher.
E assim foi o tempo. O tempo que custava a passar de Cléo e o tempo que não chegava nunca de Bia. Com ele, foi ficando opaco o vermelho que pintava aquele amor quente que era o amor de Cléo e Bia. Os beijos deixaram de ser tão bons e todo o resto foi ficando com aquele tom meio amarelado que o tempo sabe dar tão bem às coisas quando apodrecem.
Naquela noite, as duas haviam saído pra dançar. Já não se falavam direito há uma semana, desde o último escândalo de Bia. Cléo estava cansada daquilo, mas seguia com a vida.
Lá pelas tantas, entrou uma moça na boite. Era alta, loira, linda, vistosa. Talvez Cléo nem a tenha visto mesmo, mas ela, com certeza, olhou. Depois não parou mais de olhar a noite inteira. Bia reclamou uma, duas, três vezes. Cléo disse que ia embora, Bia gritou com ela, a moça se aproximou e sorriu. Cléo sorriu de volta. Bastou. Primeiro o empurrão, depois o tapa bem dado. Cléo virou as costas e saiu. Bia, arrependida, foi atrás dela.
- POR FAVOR, ME PERDOA!!!!!
Quatro palavras apenas. Três tiros secos no peito.
A linha divisória entre o tolerável e o insuportável, as coincidências que vêm depois: o segurança que passa a seu lado naquele exato momento, a arma na cintura, tão perto da sua mão. O limite, a ocasião, a atitude intempestiva tantas vezes evitada.
Bia tombou aos pés da namorada. Os olhos quase mortos fixos nos olhos foscos de Cléo.
Quatro palavras, apenas.
Às vezes, a última gota parece ser tão pequena, que nos esquecemos de todo o resto do copo que já transbordava.
2 comentários:
Não sou de comentar, mas a-do-rei!!
Pier dear.... love you!
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