27 julho, 2007

Congonhas

Interrompo, neste momento, a narrativa de minhas viagens pela Estrada Real de Minas, para transcrever, na íntegra, um texto do meu pai, publicado ontem no site http://www.jornalirismo.com.br/

Êta baianinho porreta esse!

(Pista do aeroporto de Congonhas, em foto de 1951)

CONGONHAS, O NOSSO AEROPORTO

Por HUMBERTO MENDES

Lembro como se fosse hoje.

Eu era office boy da Clicheria e Estereotipia Sul Americana nos idos de l950. Ali, na avenida Miruna, tinha uma gráfica e, um pouco mais para baixo, em Moema, ficava a fábrica de brindes Pombo. Eu ia sempre na parte da tarde a esses dois clientes entregar clichês, estéreos, provas em glacê e outros materiais para impressão de folhetos e cartazes de propaganda. Era tudo muito longe. Pegava o bonde Jabaquara na Praça João Mendes, descia depois da Igreja de São Judas, andava uns três quilômetros ou mais, entregava tudo e voltava, passando pelo Aeroporto de Congonhas, para ver os DC2 da Real Aerovias, Panair,Varig e outros grandes aviões daquela época e aproveitava para dar uma beliscada numa namoradinha que morava por ali. O pai dela, funcionário da Panair, não gostava de mim, porque não via futuro para a filha naquele moleque que trabalhava, segundo ele, “nessa besteira de propaganda”, só que, enquanto ele conferia cargas e bagagens, eu, safadamente, aproveitava para namorar sua filha.
Lembro que o nosso aeroporto era bem novinho e perto dele não tinha nada, a não ser algumas casas de trabalhadores que o construíram e se empregaram posteriormente no próprio. Aquele era um lugar bucólico, impregnado de vida e poesia, pois, em cada uma daquelas pequenas casas, tinha um jardim, um quintal com horta, pomar e amor. Hoje não é mais, perdeu completamente essas características, pois foi invadido pela sanha desbragada do setor imobiliário.
O tempo passou, deixei de ser boy e, pela via da produção gráfica, entrei para a atividade da propaganda e, daí em diante, passei a freqüentar o aeroporto, então para voar, carregando layouts e materiais de propaganda nos Avro, Caravelle, Electra, One Eleven e outros aviões muito maiores do que aqueles que eu admirava. Continuo voando ainda hoje em grandes aviões como o Boeing, Airbus etc. É tão comum encontrar publicitários em Congonhas, que se não não fosse tão cabotino, eu ousaria dizer que é o nosso aeroporto.
Acompanhei de perto o crescimento da nossa aviação e também daquilo que deixou de ser simplesmente um aeroporto, para se transformar em “região do aeroporto” cheia de prédios, uma verdadeira selva de pedra, onde até as rotas dos aviões foram violentamente ocupadas. Basta olhar para o bairro de Moema e adjacências, para constatar o tamanho absurdo. No meio de tudo isso, nosso bom e velho Congonhas, por mais que tenha sido ampliado em pistas e instalações, não conseguiu acompanhar o crescimento imobiliário e o que vemos hoje é um ótimo aeroporto, mas sem a menor possibilidade de criar um acostamento para uma saída de emergência, porque todo o seu entorno, até as beiradas, sofreu uma ocupação sem lei e sem alma.
Tão sem lei e sem alma, que os ocupantes vivem pedindo sua extinção, não é de hoje. Em l996, quando aconteceu aquele desastre com o Fokker 100 da TAM, eu morava em Moema e fui convocado para uma reunião na associação dos moradores, em que se discutiria um abaixo-assinado para tirar dali o aeroporto. Minha participação durou menos de um minuto e a reunião acabou no momento em que uma senhora de idade avançada me pediu para colocar a seguinte pergunta: “Quem chegou primeiro aqui na região, foram os nossos apartamentos, ou foi o aeroporto?”.
Naquela reunião, todos entendemos e lembramos de um velho ditado que diz o seguinte: “Os incomodados que se mudem...”.

*Humberto Mendes é VP Executivo da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda), publicitário, morador da região e usuário permanente do Aeroporto de Congonhas.

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