Eu ainda não sabia nada a respeito da morte quando morri pela primeira vez. Acho que, de verdade, pensava não ser possível morrer, se meu corpo ainda vivia. Tolice. A verdade das coisas... - quem sou eu, pra falar sobre a verdade das coisas? - A verdade das coisas está na morte da alma, eu sei. Ao morrer a alma, caem as vendas que atamos aos olhos e a verdade se revela. Límpida. Lasca de quartzo a rasgar o meio do peito. A verdade das coisas é a verdade do medo; um medo da verdade que não podíamos ver quando vivíamos, mas quando a morte...
Quando a morte se revela, a fotografia. Preto no branco, dando verossimilhança ao suposto. Estou tão repetitiva hoje.... Ontem sonhei comigo mesma, me vi. Não gostei do que me vi, estando assim morta, mas vivo, entende? Vivo ainda que esse sonho em preto e branco.
Ontem sonhei comigo e acordei sentindo cheiro de pêssego. (Por que, se pêssego...?) Pêssego se compra pelo cheiro. Não importa se amarelo, se verde, se ocaso. Pêssego se compra pelo cheiro e ponto. Final. Ainda que não belo, ainda que imperfeito, o cheiro de pêssego maduro lhe confere dignidade.
Quando morri pela primeira vez, não soube escolher pêssegos maduros. Tarde. Pena. Hoje a morte.
(Mas é noite mais uma vez e a morte se me esvai, assim mesmo: se me esvai! Claricianamente. Abro uma lata de coca light, duas pedras, limão. Na borda do copo, rastro de boca madura, batom pêssego amarelando a fotografia.)
02 outubro, 2006
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7 comentários:
nossa, ontem eu também sonhei comigo mesma.
E você gostou do que viu? beijo, Franka!
Sempre as cores e a dinâmica musical. Bonito ritmo em tom pastel. Gostei.
Mais uma gota do soro glicosado pinga no dosador, empurrando a vida endovenosamente.
Tento negociar com Deus a morte antecipada, Ele recusa, meu bilhete era falso, fora comprado de um cambista paraguaio. Queria que tudo não tivesse passado de um sonho com o gosto, a cor e a maciez de um pêssego.
Mais uma vez comprovei a lei de Newton embaixo de uma jaqueira.
A verdade das coisas está dentro do nosso diafragma pessoal.
Obrigada pelo belo texto!
Um dia faremos nossa viagem! (depois de jantarmos no Almanara,claro!).
Você pulsa Clarice com gosto rodrigueano na boca.
Na boca carmim com gosto de pêssego...
Beijos de sua eterna ardorosa fã!
querida companheira de viagens, vc ainda está me devendo essa... não pense que esqueci, porque tenho memória de elefante quando me interessa... rsss... trate de ficar bem e logo pra gente se mandar pra subaúma e poder comer muito peixe fresquinho pescado na hora! beijos muitos.
E quanto ao Almanara... pode cobrar! beijos
Juju, agora quando eu não coloco cor no texto, parece que tá faltando... culpa sua!
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