Nada. Fogão branquinho, louça lavada, cozinha arrumada. Dia de faxineira, merda! Abriu a geladeira, pão de forma gelado, mortadela. Requeijão. Coca light com limão, gelo, copo de plástico, 700 ml, cara irônica do Garfield estampada – ganhou no Cinemark, super oferta, gigacombo e tals.
Entrou na sala e aquele cheiro. Caraca! A Nina tá fumando aqui dentro? E as crianças? Lembrou que a Nina – a mãe – não tava. Impossível, àquela hora do dia. Quem era, então? Largou o pão com a Ceratti e foi seguindo a fumaça, a coca na mão. Percebeu que havia fumaça imediatamente depois de sentir o cheiro da erva. Quarto da Aninha, porta fechada. Risos. Orelha na porta. Devia haver pelo menos umas 4 ou 5 vozes diferentes. Porra, tem um menino no meio!!! Murro na porta:
- Aninha!!!! Aninha!!!!! Abre essa porta agora!
Silêncio. Todas as vozes juntas, desaparecendo.
Murro de novo:
- Aninha!!!!! Se você não abrir, vou derrubar!
Carlos. Quarenta anos, publicitário, casado com Nina – Marina – 36, professora de arte. Pai de Ana, 12, e Zeca, 9. Aos dez, deu sua primeira bola. Gostou. Aos 15, foi parar na delegacia. O policial ligou no meio da tarde, falou com a mãe, Francisca: “olha, peguei seu filho fumando maconha no Ibirapuera, a senhora tem que vir aqui no DP, buscar o meliantezinho.” A mãe foi. Uma vergonha. Deu bronca, pôs de castigo, ameaçou contar pro pai. Chorou uma semana inteira. O moleque prometeu parar. Depois foi pra faculdade e os amigos. Aí casou. Nina também curte fumar um de vez em quando, mas só fora de casa, porque não é bom exemplo pras crianças. Agora tava ali. Enfartando e esmurrando a porta.
- Aninha, vou contar até 3!!!! Um...
A menina veio. Abriu. Olhos pequenos por detrás dos óculos. O pai empurrou a porta e foi invadindo o quarto da garota. Na cama, seis olhos esbugalhados olhavam pra ele assustadíssimos. E o cheiro lá.
- O que é que tá acontecendo aqui, posso saber, mocinha? Tão pequena e fumando maconha? E esse bando que tá aqui com você? Quem são? E o senhor, rapazinho? Tá na cara que foi você quem trouxe a droga aqui pra dentro da minha casa!!! Vamos saindo!! Todo mundo pra fora agora!!!! E a senhora, dona Ana, comece a se explicar e depois me dê o telefone de todo mundo que eu vou ligar pros pais deles pra ter uma conversinha muito, muito séria com cada um! E a sua mãe, que não tá em casa numa hora dessas? É isso que dá, criança criada sozinha, sem mãe!!!! E cadê o Zeca? Tá fumando escondido por aí também?
Cento e trinta, cento e quarenta batimentos por minuto mais ou menos. Olodum no peito, mão tremendo, Garfield respingando coca pelo quarto, fumaça no nariz. A menina olhava o pai sem entender muito bem o motivo do escarcéu.
- Você tá falando de quê, exatamente, pai? – perguntou devagar, com sua voz pequena. Olhos pequenos por detrás dos óculos.
- Como assim “você tá falando de quê, pai”? Do flagrante que eu te dei, fumando maconha dentro do quarto com esse bando de delinqüentes que você enfiou aqui dentro de casa!!!! Pensa que eu não conheço esse cheiro, garota? Hein? Hein?
- Ah.... isso? É incenso, pai.
- Que incenso o quê!!!! Esse cheiro eu conheço muito bem, tá pensando que vai me enrolar, Ana Cristina? Me entrega já esse baseado que quando sua mãe chegar a gente vai ter que conversar!!!! Isso não vai ficar assim não!!! A casa caiu, Ana Cristina, a casa caiu!!!!
A menina abriu a gaveta, pegou a caixinha e entregou ao pai: “Cannabis – Incense sticks”.
Imagem congelada, coração diminuindo. “E agora, o que é que eu falo?”, pensou, já com a sensação de um ridículo profundo tomando conta. A menina esperava, olhos pequenos por detrás dos óculos. Nesse meio tempo lembrou do dia no parque, da polícia, da mãe chorando, do pai que nunca soube. Depois lembrou do sanduíche de mortadela com requeijão, olhou pra mão, a coca no copo com a cara irônica do Garfield. Nunca mais se esqueceria da cara do Garfield estampada naquele copo de plástico...
- Me dá isso aqui!!! Tá vendo só? Tá escrito aqui ó: “ca-na-bis”!!! Como é que deixam vender uma coisa dessas? Traficante não sabe mais o que inventar...

7 comentários:
Na minha época a gente usava incenso pra disfarçar, e não pra imitar o cheiro...
Pois é, fico pensando que cheiro de incenso costuma ser sempre doce. Será que incenso de cannabis dá barato? É como se você colocasse açúcar no baseado... Pensando bem, é uma revolução no mercado, olha o slogan: "incenso de cannabis: já vem com açúcar. Dá barato e não dá larica!"
Na posição de pais, todos nós nos portamos como nossos próprios pais... seu texto nos remete a uma boa reflexão.
Muito bom, rs. Fora a dinâmica de roteiro que ficou bem legal...
me fez lembrar da história de uma amiga. Com ela foi quase isso mesmo! :o)
Já sei quem é essa amiga!!! hahaha! é a cara dela mesmo! beijo
Jam, se existe é porque alguém compra... Credo!!! Deve ser muito fedido... Vai ver que o barato é esse, sei lá, uma quase intervenção! beijo
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