08 fevereiro, 2006

Passarim

Para Wônia
Não acreditava, mas insistiram tanto, que passou a dormir com as janelas abertas. Também começou a deixar migalhas de pão sobre a mesa da cozinha – comprar alpiste seria um pouco demais.
Nunca teve passarinho, nem cão, nem gato. Nunca teve peixe; nem mesmo um beta, que é peixe sem frescura. Preferia plantas, gostava de fotografá-las e ver suas metamorfoses durante as estações do ano. Havia até plantado um jardim em sua casa. Talvez a ave tenha aparecido por isso, pelo cuidado com que tratava diariamente de seu jardim, mas ninguém soube ao certo. O certo é que ela veio.
Surgiu assim, do nada, com seus movimentos, suas penas e seu piar assustado. Fez de tudo para o bicho ir embora. Abriu as janelas para que não se machucasse, tentou espantá-lo com um pano, conversou, cantou, rezou todas as rezas que sabia, até que, finalmente, a ave saiu por onde veio.
Mas voltaria, disseram. E assim foi.
Não acreditava, mas de tanto insistirem, todos os dias, antes de ir para a cama, abria as janelas da casa – de qualquer forma, estava calor. Depois de uns dias, passou a deixar migalhas de pão amanhecido sobre a mesa da cozinha – que mal havia, se o pão já estava lá?
Um dia, quando já havia quase esquecido, ela veio.
Acordou lá pelas dez – dormia muito tarde – e sentiu uma coisa diferente dentro dela. Pensou que talvez precisasse de antiácidos. Quase por inércia, foi à cozinha preparar o sal de frutas e lá estava ela, beliscando as migalhas de pão sobre a mesa. Sua primeira reação foi espantar o bicho, mas se conteve e, sem saber ao certo o que fazer, ficou quieta. E observou. Tranqüilamente, a ave comeu e foi embora.
No dia seguinte, acordou mais cedo e sentou-se à mesa, à espreita. Logo depois a avezinha apareceu e não teve medo. Pousou e comeu. Depois voou até a janela e se foi.
Aos poucos ela foi aprendendo a conviver com aquele bicho estranho, cheio de movimentos, e penas, e piares e acabou se acostumando à sua presença. Deu-lhe um nome, aprendeu a assoviar e passou a conversar com o passarinho que, por não entender direito sua língua, apenas piava.
E foi assim, que ela deixou de fotografar apenas plantas e passou a clicar também insetos, e peixes, e aves, e cães, e gatos, e gentes, e tudo quanto é bicho que atravessa sua janela.

(Para ler o início desta história acesse o blog Dedim de Prosa, clicando no link ao lado)

3 comentários:

Anônimo disse...

Ainda bem que existe a Wônia!

Anônimo disse...

Baiana querida, obrigada pelo carinho! Metaforicamente é exatamente assim que sou... deixo portas e janelas abertas para todos os tipos de filhos de Deus. Outro dia aterrisou por aqui uma capivadora voadora... acredite se quiser! Beijos na alma!

L. disse...

Turkha, quer dizer, então, que capivara de Campinas voa? Sei... Obrigada pela acolhida carinhosa de sempre, pelas horas e horas de conversa, pelo delicioso almoço, enfim... Adoro ir até aí te ver e ficar jogando "conversa dentro". Beijo grande.