29 janeiro, 2006

Depois daquela canção

Quando começou o horário eleitoral, mudou de estação, mas de nada adiantou - todas as rádios eram só promessas de campanha. Procurou por um CD no porta-luvas do carro e pegou o primeiro que lhe veio às mãos. Inicialmente, estranhou os acordes que não ouvia há tanto tempo, mas logo se lembrou, e cantou.
As cinco primeiras canções foram muito bem: aumentou o volume e cantou alto, reconhecendo letras e melodias. Na sexta canção, sentiu uma pequena tontura, atribuída ao calor excessivo daqueles dias. Na sétima, uma forte dor de cabeça, que relacionou aos 37ºC externos a seu ar condicionado. Na oitava canção, o mal estar já estava generalizado - dores pelo corpo, falta de ar, palpitação, tontura. Na nona, não suportou, e parou o carro, e chorou. Chorou tanto, que não foi capaz, sequer, de ouvir o som estridente das buzinas ao seu redor, nem de perceber as ofensas vindas dos outros motoristas. Apenas parou e chorou, enquanto sentia aquela canção lhe tirar o fôlego.
A música tinha uns 4 ou 5 minutos, no máximo, mas pareceu durar uma eternidade. Buscando alento, sua mão direita tocou levemente a esquerda, acariciando-a num gesto que não era seu, mas que foi capaz de desacelerar as batidas de seu coração. E ficou assim, durante intermináveis cinco minutos, sentindo-se, time after time, tomada pelo amor gravado naquele CD esquecido no porta-luvas.
Depois retomou o ar, ligou o carro, e partiu, achando que poderia seguir normalmente o seu caminho depois daquela canção.

(Para Ana Carolina e Chico César - "o amor talvez seja uma música que eu gostei e botei numa fita"...)

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